A INTERDISCIPLINARIDADE DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO COMO ÁREA DE PESQUISA Maria das Graças Targino* "...toda a ciência seria inútil se, por detrás de tudo aquilo que faz os homens conhecer, eles não se tornassem mais sábios, mais tolerantes, mais mansos, mais felizes, mais bonitos..." (Rubem Alves)
Resumo Discute-se a interdisciplinaridade da Ciência da Informação (CI) como área de pesquisa, a partir de conceitos básicos, como: ciência, informação e a própria CI. Mencionam-se a abrangente temática da pesquisa em CI e as dificuldades enfrentadas pelo pesquisador da área, em busca da consecução dos parâmetros de cientificidade vigentes e dos pré-requisitos esperados de qualquer pesquisador. A ciência busca, essencialmente, desvendar e compreender a natureza e seus fenômenos, através de métodos sistemáticos e seguros, o que significa que seus resultados só podem ser considerados conclusivos em determinadas circunstâncias. Isto é, esses sistemas explicativos não têm caráter definitivo e imutável, pois inserem-se em um processo ininterrupto de investigação, o que faz da ciência uma instituição social dinâmica, contínua, cumulativa. Com base em tal premissa, sem preocupações históricas, assegura-se que a "Ciência da Informação (CI)" emergiu como decorrência natural do processo de evolução da Biblioteconomia e Documentação e configura-se, portanto, como o conjunto de conhecimentos relativos à origem, coleta, organização, armazenamento, recuperação, interpretação, transferência, transformação e utilização da informação, ou seja, refere-se a todo o ciclo informacional. Para isso, recorre à representação da informação em sistemas naturais ou artificiais, a técnicas e meios diversificados de processamento, com ênfase, nas novas tecnologias, e, mais especificamente no computador, a fim de garantir a otimização do fluxo de informação com qualidade, o que pressupõe rapidez, atualidade, consistência, confiabilidade e abrangência, aliados à facilidade de o às fontes e aos documentos primários. Logo, como resultante do seu próprio objeto de estudo - a informação - presente em todas as áreas do conhecimento humano, a CI assume caráter interdisciplinar e transdisciplinar. Aqui é oportuno discutir, de início, a concepção de informação na chamada sociedade do conhecimento ou sociedade da informação na era pós-industrial, em que o eixo da * Doutora em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília
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economia a a ser a produção, distribuição e difusão da informação, consolidando um novo setor do sistema produtivo, o quaternário, o qual incorpora as atividades relativas à indústria da informação e do conhecimento. Isto é fácil de perceber quando se analisa a força da informação no momento atual. A sociedade é submetida a uma avalanche de dados vindos de meios tradicionais, como o livro, a revista, o jornal, a TV ou de sofisticados recursos, como as redes eletrônicas de informação, tendo quem afirme que tudo é informação e que as ações humanas reduzem-se a ela, considerando-se, até mesmo, o desconhecido como informação potencial. No entanto, para teóricos, como o inglês Richard Wurman (1991), em sua obra original
"Information Anxiety", lançada ainda em 1989, a era da informação corresponde a uma explosão da não-informação, à explosão de meros dados. Isto porque só é informação o que reduz incertezas, o que conduz à compreensão. Categorizada em níveis distintos por ele detalhados, compreende desde informações internas que tomam a forma de mensagens cerebrais as mais abstratas, concernentes a valores culturais e sociológicos. O que é informação para alguém, pode ser simples dado para outrem. E, reiterando esse autor, Cole (1994) refuta a teoria de Dervin e Nilan de que a informação é, sobretudo, uma construção subjetiva independente dos fenômenos objetivos, até porque ninguém sobrevive em um mundo construído a partir apenas dos seus próprios interesses. Trata-se, sim, de um processo múltiplo em que interatuam subjetivo x objetivo, em gradações distintas. Ademais, é possível estabelecer a distinção entre informação e conhecimento, em que a primeira atua como matéria-prima do segundo. Em outras palavras, o conhecimento é um corpo sistemático de informações adquiridas e organizadas, que permite ao indivíduo compreender a natureza, de sorte que é através da compreensão que o ser humano transmuta informação em conhecimento. Este, por sua vez, ocupa dois planos básicos e não excludentes. Como a própria denominação sugere, o conhecimento pessoal é ao indivíduo, enquanto o social ou público, no qual insere-se o saber científico, está disponível à coletividade, registrando-se, ainda, o conhecimento semi-social, sem grande alcance coletivo. Entretanto, em qualquer circunstância, a informação atua como instrumento propulsor do desenvolvimento dos vários ramos do conhecimento humano, das nações e povos. E mais do que isto. Aflora como elemento de unificação das relações inter e transdisciplinares da CI. Interdisciplinaridade, no sentido de interação entre as disciplinas e transdisciplinaridade,
como a percepção dos fatos e fenômenos mediante movimento de transcendência, ou seja, de ruptura com os limites preestabelecidos de uma única disciplina. Na realidade, a interdisciplinaridade fundamenta o avanço das ciências, pois o conhecimento científico subentende transformações, agens de uma teoria para outra, ressaltando o caráter evolutivo das ciências e seu estado de permanente "ebulição ". Consequentemente, mais do que qualquer outra área, a CI relaciona-se com muitos outros campos, como Lingüística, Matemática, Sociologia, Psicologia, Política, Comunicação Social, Economia, Informática e, mais intimamente, com a Biblioteconomia e a Documentação. Estas, mais conhecidas do grande público, são também, irremediavelmente interdisciplinares, por conservarem como objeto de estudo a informação, o que leva Costa (1990) a considerá-las tão-somente aplicações da CI. A Biblioteconomia compete a Inf. & Soc.:Est, João Pessoa, v.5, n.1, p.12-17, jan./dez. 1995
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organização e istração das bibliotecas em suas diversidades, além da seleção, aquisição, organização e disseminação de publicações primárias sob diferentes es físicos. A Documentação limita-se à indexação, ao resumo, à tradução e reprodução dessas publicações, bem como à elaboração de obras secundárias e terciárias, recorrendo ao processamento de dados, à reprografia e às microformas para o tratamento da informação. A partir daí, o autor supracitado sustenta que a CI produz literatura resultante de investigações em caráter teórico, enquanto a Biblioteconomia e Documentação aplicam os resultados daí advindos. O que não é verdade, pois a dicotomia teoria x
prática perde o sentido, quando o dia-a-dia mostra que estas não estão jamais
dissociadas, mais imbricadas, dentro da assertiva popular de que "não existe nada mais prático
do que uma sólida teoria ". Assim, diante dessa interdisciplinaridade irrefutável, a CI emerge como metaciência ou supraciência, no sentido de que não lida com segmentos específicos da informação - informação jurídica, informação tecnológica, informação científica etc. - mas com a metainformação, que ultraa fronteiras rigidamente demarcadas para interagir com outras áreas. Isto significa que
detém um manancial inesgotável de possibilidades de investigação científica, o que não exclui, como adverte Morin (1982), a necessidade de refletir sobre sua própria essência e função social, reafirmando Prins, Gier (1992), para quem há considerável carência de pesquisas consistentes sobre os próprios profissionais de informação. De qualquer forma, o número de estudos em CI tem crescido a tal ponto que a "Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO)" e a "Federação Internacional de Documentação (FID)" mantêm o "International Information System on Research in Documentation (ISORID)". Diante de tal amplitude, o Current Research and Development in Scientific Documentation, da National Science Foundation, em sua edição de 1966 (n.14) ampliou a categorização empregada no n.3 (out.1958) até o n.13 (nov.1964), de cinco para nove grandes classes de temas de pesquisa com subitens, incorporando os 655 projetos então executados. Tanto Borko (1968) como Costa, já em 1990, compilam essa classificação como sugestão para se agregar as pesquisas da área, mesmo que o Current, ele próprio, em seu próximo e último número (1969 - n.15), tenha usado 12 categorias sem sequer conservar ipsis litteris a nomenclatura anterior. De qualquer forma, como ela explicita toda a possibilidade interdisciplinar da pesquisa em CI, mediante atuação com a Psicologia, Linguística, Informática, Comunicação Social etc., segue a tipologia proposta, em nível macro: necessidades e uso da informação; elaboração e reprodução de documentos; análise linguística; traduções; resumos; classificação, codificação e indexação; planejamento de sistemas de informação; análise e avaliação; identificação de padrões, modelos semânticos; sistemas adaptáveis. No contexto nacional, o "Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT)", órgão editor da Bibliografia Brasileira de Ciência da Informação", cujo último fascículo data de 1987, referente aos anos de 1984 a 1986, apresenta tipologia com igual quantidade de classes, mas sob perspectiva distinta: aspectos gerais; ensino, pesquisa e atividade profissional; organização das atividades de informação e de bibliotecas; estudos da literatura e do documento; entrada, tratamento, armazenamento da informação; Inf. & Soc.:Est, João Pessoa, v.5, n.1, p.12-17, jan./dez. 1995
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recuperação e disseminação da informação; transferência e uso da informação; outros aspectos da informação e de bibliotecas; áreas correlatas. esta última arrola Lingüística, Comunicação, Arquivologia, Editoração, Ciência da Computação e Informática, Telemática, Estatística e istração, embora, hoje, seja impossível descartar a inclusão de Educação, Artes
Gráficas, Economia etc. Porém, mais do que fixar a temática em classes, urge discutir aspectos intrínsecos a natureza da pesquisa científica em CI e seus entraves, apesar da riqueza decorrente do seu caráter interdisciplinar. dentre as dificuldades, destacam-se a carência de massa crítica e a falta de tradição de pesquisa em Biblioteconomia e Documentação, e, como decorrência, na CI, aliadas à formação, extremamente tecnicista e livresca do profissional de informação, grosso modo, o que o distancia dos aspectos éticos inerentes à investigação científica, entre os quais o comprometimento com a sociedade e com o progresso do País/região/estado/instituição. Há, porém, outros fatores intervenientes, entre os quais: (a) incipiência de incentivos e de fomento a pesquisa institucionalizada; (b) inadequação de temas, alheios à realidade social e selecionados, muitas vezes, por razões de ordem subjetiva ou institucional, como as contingências locais de onde reside o pesquisador e/ou orientador, entre outras; (c) precariedade dos sistemas de acompanhamento e avaliação da produção acadêmica em geral e da pós-graduação em particular; (d) ineficiência dos canais de comunicação, com periódicos especializados, fragilizados, face à escassez de recursos financeiros ou ao corporativismo exarcebado, e com congressos e eventos similares cada vez mais deficientes em termos de qualidade. No entanto, além do exposto até então e do fato de que a CI continua como ilustre desconhecida para grande parte da população brasileira, há dificuldades mais profundas, que se originam de aspectos sociais e culturais. Entre elas, os anos de marasmo e ividade que caracterizaram ou ainda caracterizam as bibliotecas, consideradas muito mais armazéns de livros do que qualquer outra coisa, e, portanto, posicionando o bibliotecário como guardador de livros, tal como os guardadores de carros das grandes cidades, que trazem mais problemas à população do que beneficios. Quanto à natureza dos estudos em CI, estes devem seguir parâmetros de cientificidade, tais como os sugeridos por DEMO (1990). Em nível interno, estão a coerência, consistência, originalidade e objetivação. Coerência, como critério lógico, compreende ordenação, sistematização e concatenação de idéias. Consistência, capacidade de resistir a argumentos contrários, o que requer profundidade, conhecimento e tessitura firme. Originalidade consiste na tentativa de desenvolver a criatividade e criticidade em busca do inexplorado. Objetivação, na busca de objetividade para reproduzir a realidade sem disfarces. Em nível externo, destacam-se a análise e o julgamento criterioso dos pares, com a aceitação pelo menos parcial dos resultados. A neutralidade é uma dimensão ultraada, desde o momento que se aprende a ciência como a produção de indivíduos que carregam consigo, inevitavelmente, toda a carga ideológica. Resta, pois, ao cientista reduzir ou desmascarar a ideologização, o subjetivismo. Para tanto, além do conhecimento específico e o conhecimento interdisciplinar, o Inf. & Soc.:Est, João Pessoa, v.5, n.1, p.12-17, jan./dez. 1995
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pesquisador requer pré-requisitos essenciais, entre os quais curiosidade intelectual, criatividade, disciplina, ordenação mental, humildade para reconhecer as limitações humanas, dedicação, persistência etc. Além disto, os profissionais de informação, independente da terminologia usada - bibliotecários, documentalistas, cientistas da informação, especialistas da informação - carecem de seguir os preceitos enunciados por Merton, já em 1942, e, em uso até então, visando a estimular a consciência científica, tais preceitos permanecem válidos até os dias atuais, não obstante algumas contestações, acréscimos e reformulações. A comunalidade
(comuna = comunidade) diz respeito à premência do cientista em compartilhar, sempre, com a sociedade, os resultados de seus estudos, dentro da visão da ciência como conhecimento coletivo, disponível para todos, reiterando o o universal. A universalidade ressalta a inexistência de fontes privilegiadas na geração do saber, embora, na sociedade contemporânea, cada vez mais, o argumento de autoridade privilegie países, entidades e pessoas em detrimento dos méritos
intrínsecos aos trabalhos. A imparcialidade/desinteresse princípio também contestado no mundo de hoje, diz que a ciência é um fim em si própria, de modo que o cientista deve ter como estímulo maior o amor ao trabalho, longe de interesses pessoais, como cargos, poder, prestígio,
dinheiro. O ceticismo organizado trata da responsabilidade integral de cada pesquisador por seu produto, o que significa desconfiar de tudo, comprovando fatos e fontes, ou seja, os julgamentos só devem ocorrer diante de evidências irrefutáveis. Por fim, é útil reforçar que a relação da ciência com a sociedade é fundamentalmente dialética e interativa. Nenhuma ciência figura como corpus autônomo. A ciência determina mutações sociais e, ao mesmo tempo, recebe da sociedade impactos que a (re)orientam. Essa dinamicidade
inerente aos processos sociais é, pois, elemento gerador de crises, das quais resultam recuos e avanços, e a propalada crise dos paradigmas. Paradigma como conjunto de valores, eixos teóricos e interesses de pesquisa, aceitos consensualmente por um grupo de cientistas de uma determinada área do conhecimento e época. Em tal perspectiva, teorias são contestadas, revistas e questionadas por sua auto-suficiência, por seu absolutismo, observando-se a crescente busca de uma ciência pluralista, capaz de perceber e respeitar a totalidade dos fenômenos, dentro de uma visão holística, em que a especialização persiste sem que signifique fragmentação do conhecimento. No caso da CI, embora Miksa (1992) disserte sobre dois dos seus paradigmas e das limitações daí decorrentes, um dos quais enfatiza a biblioteca como instituição social e o segundo posiciona a informação no âmbito do processo de comunicação humana, o fato é que ela sempre recorreu aos paradigmas teóricos de outras áreas, mormente da Psicologia e Sociologia. O que pode supor pluralismo metodológico salutar, na verdade, desperte frequentes discussões em tomo de seus padrões epistemológicos, pois, ao que parece, a diversificação de modelos provém da fragilidade teórica, e não da conscientização profunda do conhecimento produzido em sua instância. Em suma, compete ao cientista da informação, através de atuação inter e transdisciplinar, combinar conhecimentos específicos com uma sólida formação generalista, a fim de romper as barreiras outrora rígidas entre as ciências humanas, exatas e biológicas, através da pesquisa científica como elemento de desvelamento e adentramento da vida, trazendo à tona a essência da Ciência da Informação. Inf. & Soc.:Est, João Pessoa, v.5, n.1, p.12-17, jan./dez. 1995
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THE INTERDISCIPLINARY NATURE OF INFORMATION SCIENCE AS A FIELD OF RESEARCH Abstract Discussion of the interdisciplinary nature of Information Science as a field of research, based on essential concepts such as: science, information and Information Science itself. Presentation of the comprehensive themes of research on Information Science and the difficulties faced by the researcher in this field, in the search to attain the existing scientific parameters and the expected prerequisities of any researcher.
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